Branding, Storytelling

Carla Di Bonito, cineasta | Estúdio Letras Entre Vista

A editoria ENTRE VISTA nasceu do desejo de abrir espaço para conversas que importam. São entrevistas conduzidas por Luísa Reiff, jornalista e mestre em Comunicação, sócio fundadora do Estúdio Letras, que se transformam em encontros escritos com pessoas do nosso universo: parceiros, clientes e criadores que admiramos e com quem temos orgulho de colaborar.

É também uma forma de prolongar a troca que vivemos no dia a dia, trazendo-a para este espaço aberto, onde todos podem participar.

Nesta edição, convidamos a cineasta Carla Di Bonito, que chegou até nós em 2025 com o desafio de desenvolver o cartaz e a identidade visual do seu longa-metragem Nossos Caminhos. A obra já soma mais de quarenta prémios internacionais em categorias como Direitos Humanos, Roteiro Autoral e Longa Internacional, além de ter tido leitura oficial no Festival de Cannes.

O cartaz que concebemos procurou traduzir, em imagem, a força poética e intimista que permeia o filme. Um exercício de escuta e de interpretação visual da narrativa criada pela Carla.

Nascida no nordeste do Brasil, com trajetória marcada pela experiência como jornalista na BBC de Londres e hoje radicada no Reino Unido, Carla imprime no cinema o olhar apurado para memórias, relações íntimas e histórias que atravessam o tempo.

A seguir, partilhamos a entrevista que revela mais sobre a sua visão artística e percurso.

Luísa Reiff: Como foi a transição de uma sólida carreira no jornalismo na BBC para o universo do cinema, especialmente em uma fase da vida em que você já estava tão bem estabelecida em outra área?

Carla Di Bonito: Foi uma travessia intensa e libertadora. O jornalismo me deu uma carreira sólida, disciplina, rigor e uma visão global, mas havia histórias dentro de mim que pediam outra linguagem.

Aos 53 anos decidi ouvir novamente essa voz após um longo período afastada depois de uma tentativa aos 40 anos quando fiz meu primeiro curta, Friday, Saturday and Sunday. A transição não foi fácil, significou recomeçar, voltar a estudar em um território onde todos à volta eram jovens de 19 e 20 anos. Além de conciliar com o fato de ter adotado sozinha uma criança com necessidades especiais que ainda requeria visitas a hospitais e cirurgias. Mas eu tinha descoberto que cada experiência vivida tinha se transformado em combustível criativo.

O olhar investigativo, a escuta atenta e a sensibilidade ao real continuam presentes no meu cinema, mas agora ganham corpo poético, emoção e liberdade estética. Em resumo, não me sinto que deixei uma carreira para começar outra – sinto que reuni tudo o que vivi para contar histórias que só poderiam tomar forma agora, com a maturidade e intensidade que carrego.

LR: Nossos Caminhos parte de uma narrativa pessoal muito potente e se expande para cinco gerações e cenários que atravessam o Brasil, a Itália e Londres. Como a experiência de vida e as suas raízes influenciam a forma de dirigir e construir essa história?

Carla Di Bonito: Nossos Caminhos nasceu de uma ferida íntima, mas eu só consegui expandir essa história porque carrego dentro de mim muitas vidas: as da minha família, as das mulheres que vieram antes, e também as dos lugares que atravessei.

Nasci e cresci em Fortaleza, mas visitei o sertão muitas vezes. Vivo em Londres há mais de 3 décadas, morei na Itália, Suíça, Alemanha e Noruega e cada pedaço desse percurso deixou marcas que agora se entrelaçam no filme. A escolha de contar uma narrativa que percorre cinco gerações não é por acaso. Foi a maneira que encontrei de dizer que ninguém existe sozinho, que somos herdeiros de dores e potências, e que só quando olhamos para trás podemos seguir adiante. Como diretora, minhas raízes e experiências me deram o olhar visceral, a coragem de falar do que é duro.

O resultado é um cinema que parte do muito pessoal mas que se abre para o coletivo. E como se cada cenário, o Nordeste, Roma, Londres- fosse um espelho de fragmentos da minha própria vida, transformados em linguagem para que o público também se reconheça neles.

LR: Quando viu o cartaz que desenvolvemos para Nossos Caminhos, qual foi a sensação que teve ao ver sua história traduzida em forma visual?

Carla Di Bonito: Foi uma sensação muito bonita. Ver a história de Nossos Caminhos ganhar forma em um cartaz foi como enxergar de fora, algo que nasceu tão dentro de mim.

A imagem traduz a alma da narrativa.

Senti reconhecimento e também entrega. Reconhecimento porque vi minhas raízes, minha dor e minha esperança ali condensadas. E entrega porque, a partir do cartaz, o filme já não é só meu – ele passa a dialogar com o público antes mesmo da primeira cena. É um convite visual para o encontro.

Carla di Bonito
Identidade visual criada pelo Estúdio Letras

LR: Como vê essa parceria entre cinema e design e de que maneira acredita que uma identidade visual forte pode ajudar um filme ainda em fase de desenvolvimento a ganhar presença?

Carla Di Bonito: Vejo como uma extensão natural da narrativa. O filme nasce em imagens em movimento mas o design tem o poder de condensar sua essência em um símbolo, em identidade que antecede a experiência da sala de exibição. E como se fosse a primeira tradução visual poética da obra.

Uma identidade visual forte ajuda o filme a existir para o mundo mesmo antes de estar finalizado. Ele desperta curiosidade, da unidade ao projeto, comunica o  tom e o universo da história para festivais, investidores e público.

LR: Que mensagem você gostaria que o público captasse ao combinar o visual do filme (como o cartaz) com a poderosa narrativa de Nossos Caminhos?

Carla Di Bonito: Gostaria que o público percebesse que o visual e a narrativa se encontram para contar uma mesma verdade: a de que, por mais dolorosos que sejam os caminhos da vida, sempre existe a possibilidade de reconciliação, de cura e de recomeço.

O cartaz não é apenas uma peça gráfica, ele traz um prenúncio da jornada emocional do filme. É o primeiro abraço, o primeiro convite.

Se o público conseguir sentir, ao olhar o cartaz e depois assistir ao filme, que a dor pode se transformar em poesia e que nossas histórias individuais têm a força de ecoar no outro, então a mensagem de Nossos Caminhos terá chegado onde precisa: no coração.

Leia outras edições do Estúdio Letras Entre Vista aqui.

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