Nos últimos anos, nos fóruns obscuros da internet tem circulado um conceito curioso: a ideia de que vivemos numa “internet morta”. Segundo esta teoria, aquilo que consumimos diariamente online já não seria produzido, em grande parte, por pessoas reais, mas sim por bots, algoritmos e sistemas automatizados. A ideia nasceu em comunidades conspiratórias mas rapidamente encontrou eco em discussões mais amplas sobre a forma como comunicamos no espaço digital.
No Estúdio Letras, propomos um olhar crítico para esse fenômeno. Longe de validar conspirações, buscamos refletir sobre os pontos de análise que a discussão coloca em evidência.
De onde vem a teoria da internet morta?
O termo Dead Internet Theory ganhou força em fóruns online em 2021 mas tem raízes mais antigas. Os defensores acreditam que, desde meados da década de 2010 a internet deixou de ser um espaço vibrante e plural para se tornar uma rede controlada por algoritmos, onde grande parte dos conteúdos é criada e amplificada de forma artificial.
Segundo estas narrativas, já não interagimos com pessoas, mas com “simulacros”, perfis automatizados, robôs de comentários, artigos gerados por sistemas de inteligência artificial. Embora este raciocínio se insira claramente no campo da conspiração, ele reflete uma sensação partilhada por muitos utilizadores: a percepção de que a internet se tornou menos espontânea, mais repetitiva e dominada por interesses corporativos.
O que há de real nessa percepção?
A ideia de uma internet morta é exagerada, mas não surge no vazio, já que a automação ocupa hoje um papel central no ecossistema digital:
- Bots em redes sociais: “fazendas de likes”, bots e perfis falsos habitam amplamente as plataformas.
- Produção automática de conteúdos: a ascensão de ferramentas de IA generativa permite a criação de textos, imagens e vídeos em escala, muitas vezes indistinguíveis de conteúdos humanos.
- Algoritmos de recomendação: no YouTube, no TikTok ou no Instagram, já não consumimos “tudo o que existe”, mas o que os sistemas decidem mostrar com base em padrões de engajamento e rentabilidade.
O resultado é que, mesmo sem uma “morte literal” da internet, cresce a sensação de artificialidade. Em vez de diversidade, vemos repetições. Em vez de conversas orgânicas, comentários em série. Em vez de descobertas espontâneas, timelines moldadas por interesses comerciais.
O impacto na comunicação e no branding
Para marcas, criadores de conteúdo e instituições, este cenário levanta uma questão central: como permanecer autêntico num ambiente cada vez mais saturado de automação?
A teoria da internet morta, ainda que conspiratória, traz à superfície um ponto crítico: a confiança. Se as pessoas não sabem se estão a interagir com humanos ou com máquinas, a credibilidade torna-se um dos ativos mais valiosos.
É aqui que o branding e a comunicação estratégica desempenham um papel essencial. Conteúdos criativos, pensados com intenção e sustentados por valores claros funcionam como um antídoto contra a massificação. Mais do que publicar “mais do mesmo”, é preciso criar narrativas com uma identidade real e sustentável.
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Entre o real e o artificial
Vale frisar que a automação não é necessariamente negativa, o nosso intuito está longe de ser o de rejeitar a tecnologia. Ferramentas de IA podem otimizar processos, gerar insights e expandir possibilidades criativas. O problema surge quando a quantidade soterra a qualidade e quando o excesso de conteúdos artificiais torna mais difícil distinguir o que é verdadeiro.
A própria teoria da internet morta ilustra este dilema: nasceu como uma conspiração, mas ganhou relevância porque toca numa experiência comum. Quem nunca teve a sensação de que as redes sociais se parecem cada vez mais umas com as outras, ou de que os comentários em determinadas publicações são estranhamente parecidos?
Há ainda uma camada cultural importante. A internet que marcou as primeiras décadas dos anos 2000 era vista como um espaço de descoberta, comunidade e experimentação. Hoje, muitos utilizadores percebem uma uniformização dos conteúdos, em grande parte ditada por plataformas globais que priorizam escala e monetização.
A nostalgia por essa “internet viva” alimenta o apelo da teoria. Não se trata apenas de bots ou IA, mas da sensação de perda de diversidade cultural.
Internet morta ou reinvenção?
A internet não morreu, mas está em disputa. Entre a lógica da automação e a busca pela autenticidade, cada usuário, criador e marca tem um papel na construção de um espaço digital mais humano.
Se a sensação de artificialidade é real, a resposta não está em rejeitar a tecnologia, mas em usá-la com consciência. Está em criar conteúdos que reflitam pessoas, histórias e visões singulares. Em manter viva a diversidade, que sempre foi o motor da internet.
No fundo, talvez a teoria da internet morta diga menos sobre a morte da rede e mais sobre um desejo profundo: o de que a internet volte a ser um lugar vivo, humano e plural.
- Este artigo foi construído a partir de uma matéria publicada pela BBC (A Teoria da Internet Morta está a caminho de se tornar realidade?) e de análises internas realizadas pela nossa equipe.